Ensaio sobre a memória

Quem esquece, renega ou usurpa a história está condenado a cometer os mesmos erros que os seus antepassados cometeram. Ao colocar o Nazismo e o Comunismo em pé de igualdade, o Parlamento Europeu mostrou que a memória está de boa saúde, mas parece-me que, para Francisco Louçã, a memória e a verdade são apenas acessórios.

Francisco Louçã

O que distingue o Ser Humano dos demais animais?

É a sua capacidade de recordar os erros do passado com especial detalhe, bem como de os relatar, e de, através do conhecimento adquirido através desse erro, ensinar aos vindouros o que não devemos fazer. 

A história vai de encontro a isso. A história é aquela arte, aquela ciência, capaz de mostrar e fazer compreender o passado de forma a que consigamos construir um presente digno e desenhar o futuro que ainda está por vir. Para que consigamos fazê-lo, não podemos, em circunstância alguma, diminuir, esquecer, mentir ou renegar os erros mais hediondos protagonizados pela espécie humana. 

Mas foi isso que fez Francisco Louçã.


Em 2019 o Parlamento Europeu aprovou com larga maioria uma medida que colocava - e bem - em pé de igualdade o Fascismo e o Comunismo. Manda a história recordar que os extremos têm mais pontos que os juntam do que os separam, pois as semelhanças entre os regimes fascistas e comunistas que existiram na Europa e no Mundo são demasiado óbvias para serem ignoradas. Quem é de boa memória, recordar-se-á do assassinato das liberdades - todas elas - levadas a cabo pelos regimes extremistas, bem como da ditadura do pensamento imposta sobre os demais e a alteração profunda da alma de cada ser através da cegueira imposta pelo Fascismo e pelo Comunismo. 

Nesse mesmo ano, o Parlamento Português fez o mesmo, embora tenha sido rejeitado pelos votos de PCP, BE e PS, cenário que não diferiu do acontecido na assembleia municipal de Lisboa onde a deputada do Partido Popular Monárquico Aline Beuvink proferiu o célebre discurso agora distorcido e ridicularizado por Louçã e por uma certa esquerda pseudo-intelectual.


Deputada Municipal em Lisboa pelo PPM - Aline Beuvink

Francisco Louçã, provavelmente na ausência de algum outro tema para complementar o seu espaço de comentário, decidiu portanto agarrar no vídeo da deputada municipal Beuvink - diga-se, com uns quantos anos de atraso - distorcê-lo e, manipulando a narrativa, tenta fazer a deputada passar por uma lunática que acredita piamente que os comunistas comiam criancinhas. 

A deputada em questão é descendente direta de Ucranianos, relata a história do país de onde a sua família provém, bem como expõe o testemunho dado pela sua avó que viveu o infeliz período da Grande Fome. Trata-se de um testemunho emotivo, genuíno e que expõe, na mais dura e cruel das verdades, o que o povo Ucraniano foi forçado a fazer em nome da sua sobrevivência. Tal acontecimento deve-se à URSS, bem como a Estaline, principal precursor do sofrimento de milhões de Ucranianos, que decretou impostos pagos através de alimentos, proibiu a comercialização geral dos mesmos e os poucos que eram permitidos tinham preços tabelados pelo Partido Comunista, interditou qualquer importação de comida e, no final de 1932, cercou a Ucrânia de forma a impedir a entrada de qualquer bem alimentar. 

De facto, os comunistas não comiam crianças, mas forçaram um povo inteiro a fazê-lo. O sangue dessas crianças está nas mãos do comunismo soviético que Louçã, para além de não condenar, faz questão de tratar o tema como algo digno de chacota, como se de um exagero se tratasse. A história demonstra bem que não é algo que tenha piada.


Monumento em memória das crianças mortas no período da Grande Fome ( Holodomor )


É esta a verdade que Louçã não quer admitir porque, ao fazê-lo, daria razão aos que colocam em pé de igualdade o Comunismo e o Fascismo, na medida em que ambos os regimes foram precursores de atitudes desumanas. Não existe nada mais doloroso para um extremista do que dar razão aos que não concordam com ele, então prefere manter a narrativa, mesmo que esteja a ser intelectualmente desonesto e a manipular os factos conforme melhor lhe aprouver.

O ex-dirigente Bloquista, julgando estar na posse do direito de escarnecer desumanamente o sofrimento atravessado pelo povo Ucraniano durante o período da grande fome, bem como autorizando-se a diminuir e a fazer passar por lunática a deputada municipal Aline Beuvink, fez algo que em Democracia nunca se deve fazer. Lançar dichotes sobre o adversário, rebaixar o debate e insultar quem com ele não concorda.


Entende-se disto que Francisco Louçã e a extrema-esquerda regem-se pela mentira e pela distorção da memória, bem como pela necessidade de calar, humilhar e rebaixar os que confrontam a sua narrativa falaciosa com os factos dos quais a memória e a história não permitem esquecer. Este é um comportamento de quem não convive bem com a democracia. Esperava-se mais do conselheiro de Estado, mas parece que, infelizmente, há quem prefira manter a narrativa em prol da sua ideologia do que simplesmente reconhecer os factos como eles inegavelmente são e, se for necessário para o efeito, ridicularizar o inimigo. Questiono-me, é este o comportamento de um suposto democrata?


Lembro-me bem de que quando o célebre vídeo da deputada do PPM em Lisboa surgiu, levou a um grande alvoroço nas redes sociais. Os de boa memória parabenizaram a deputada pela coragem que teve para que, de forma tão emotiva, pôs a cru o que sucedeu na Ucrânia soviética. Já a esquerda teve duas reações. Ou se calou e fingiu que nada aconteceu, ou desatou a caracterizar a deputada de Fascista e que apenas tinha o objetivo de branquear o Nazismo e o Holocausto. Percebe-se bem que, para alguns setores da política, a verdade é acessória e só se usa quando mais convém. A memória, o bom senso, a lógica e o humanismo deveriam ser características presentes em todos nós e nunca devem ser abandonadas em momento algum.

 

Veio entretanto, no seu espaço de comentário na SIC Noticias tentar redimir-se do que fez. Como? Atirando-se à Iniciativa Liberal que emitiu um comunicado partidário em como condenava veemente o descredito com que Louçã tratou a questão. Aproveitou para também dizer que se queria focar no mito de que os Comunistas comiam criancinhas e que, sendo algo que manifestamente não corresponde à verdade, tem de ser combatido. Ora vejamos, como disse anteriormente, de facto os comunistas não comiam crianças, pelo simples facto de que esses estavam em Moscovo alimentando-se do que de melhor havia, enquanto o povo passava fome - como de resto não aconteceu só na Ucrânia, embora este seja dos episódios mais marcantes - enquanto outros tantos eram escravizados nos Gulags, tantos desses mortos de fome. Por isso, embora os altos dirigentes comunistas não tenham comido crianças, foi por culpa deles que essas crianças foram mortas. É este o mito com fundo de verdade a que a deputada Aline Beuvink se referia, embora a Louçã não lhe convenha afirma-lo.


Depois deste episódio que é para lá de triste, que caracterizou mais Francisco Louçã e a sua falta de humanismo do que propriamente o alvo do seu escarnio - e de resto só tenho de parabenizar o colunista Henrique Monteiro do Expresso pelo artigo fantástico - pergunto-me. Como é que Francisco Louçã ainda se mantém como conselheiro de Estado?

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